quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Malthusianismo geopolítico



Sinceramente, considero-me uma iniciante com muito a aprender sobre geopolítica e estratégia. Mas se os grandes luminares da área escrevem tais sandices começo a ficar preocupada com os rumos da política mundial



Este autor, o jornalista norte-americano Robert Kaplan, é considerado um dos gênios da geopolítica americana. 
De março de 2008 até a primavera de 2012, ele foi membro sênior do Center for a New American Security , em Washington.  Em 2009, o secretário de Defesa, Robert Gates, nomeou Kaplan para o Defense Policy Board, um comitê consultivo federal para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Em 2011, a revista Foreign Policy apontou Kaplan como um dos  "100 maiores pensadores globais" do mundo.
Atualmente é correspondente nacional da revista Atlantic e analista da companhia Stratfor, em Austin, Texas. Seus artigos também foram destaque no The Washington Post, The New York Times, The New Republic, The National Interest, Foreign Affairs  e The Wall Street Journal, entre outros jornais e publicações, e seus ensaios mais polêmicos sobre a natureza do poder dos EUA tem estimulado o debate na academia, nos meios de comunicação, e nos mais altos níveis do governo. Kaplan é o autor do influente artigo "The Coming Anarchy", publicado em The Atlantic Monthly em 1994. Um tema recorrente na sua obra é o ressurgimento de tensões culturais e históricas temporariamente suspensas durante a Guerra Fria.  (da Wikipedia)

Kaplan não é propriamente um defensor dos ideais democráticos. Em dezembro de 1997, seu artigo Was Democracy Just A Moment?” sustentava que a democracia que então se espalhava pelo mundo não levaria necessariamente a mais estabilidade. E de acordo com o  U.S. News & World Report, “o presidente Clinton ficou tão impressionado com Kaplan, que ordenou um estudo conjunto das agências sobre esses temas, e concordou com as conclusões de  Kaplan.

O artigo de onde extraí o excerto abaixo é o famoso "The Coming Anarchy", de fevereiro de 1994, na revista Atlantic Monthly.  
Kaplan cita aí, aprovadoramente, o trabalho de um colega, Homer-Dixon - chefe do Programa de Estudos sobre Paz e Conflito da Universidade de Toronto -, segundo o qual o Brasil estaria entre os países ameaçados de cair em ditaduras (governos autoritários, não democráticos), face a uma crescente escassez de recursos naturais. E os referidos recursos, citados por eles, seriam água, terras cultiváveis, florestas e pesca! "Democracia é problemática; escassez é mais certa", asseguram.
A desinformação de tais análises é espantosa, assim como inexplicável é o crédito a elas concedidos nos grandes centros de pensamento geopolítico. Transcrevo dois parágrafos:
"War foreign policy will one day be seen to have had its beginnings in an even bolder and more detailed piece of written analysis: one that appeared in the journal International Security. The article, published in the fall of 1991 by Thomas Fraser Homer-Dixon, who is the head of the Peace and Conflict Studies Program at the University of Toronto, was titled "On the Threshold: Environmental Changes as Causes of Acute Conflict." Homer-Dixon has, more successfully than other analysts, integrated two hitherto separate fields—military-conflict studies and the study of the physical environment.
In Homer-Dixon's view, future wars and civil violence will often arise from scarcities of resources such as water, cropland, forests, and fish. Just as there will be environmentally driven wars and refugee flows, there will be environmentally induced praetorian regimes—or, as he puts it, "hard regimes." Countries with the highest probability of acquiring hard regimes, according to Homer-Dixon, are those that are threatened by a declining resource base yet also have "a history of state [read 'military'] strength." Candidates include Indonesia, Brazil, and, of course, Nigeria. Though each of these nations has exhibited democratizing tendencies of late, Homer-Dixon argues that such tendencies are likely to be superficial "epiphenomena" having nothing to do with long-term processes that include soaring populations and shrinking raw materials. Democracy is problematic; scarcity is more certain.

Ignorância ou má fé? Será possível que alguém minimamente informado não saiba que o Brasil tem 12 % da água doce superficial do planeta (sem falar dos reservatórios subterrâneos, os aquíferos), que sua costa litorânea de 8.400 km de extensão e sua plataforma continental abrigam diversos ecossistemas e diferentes tipos de pescados, além daqueles dos rios amazônicos e dos produzidos pela aquicultura? Que nossa área cultivável estava longe de esgotada em 1994, que ainda agora tem capacidade de expansão e que sua produtividade seria crescente? Que quase metade do nosso território ainda hoje (e muito mais em 1994) é coberta de florestas? E que nosso problema demográfico seria antes de sub-população do que de excesso? Que num país com um território maior do que o dos Estados Unidos continental e com uma população mais de um terço menor o crescimento populacional é algo desejável e normal, e não pode ser descrito como uma ameaça? Hoje, a densidade populacional é de 22 hab/km² no Brasil, e de 31 hab/km² nos Estados Unidos.


E quanto à previsão de uma suposta tendência nossa, junto com a Indonésia e a Nigéria, a desenvolver "regimes duros"? A afirmação de que as "recentes tendências democratizantes" seriam um epifenômeno superficial, que nada tem a ver com processos de longo prazo e estariam prontas a serem superadas por "uma história de força estatal - leia-se 'militar' " baseia-se em que tipo de análise sociológica, psico-social ou histórica?


Sinceramente, considero-me uma iniciante com muito a aprender sobre geopolítica e estratégia. Mas se os grandes luminares da área escrevem tais sandices começo a ficar preocupada com os rumos da política mundial. E vejo com clareza que um dos desafios importantes da nossa política exterior será o de fornecer ao mundo melhores elementos para nos conhecer e julgar.

Um comentário:

Anônimo disse...

D. comentou: "Realmente, uma ideia esdrúxula a de que faltará água e comida no Brasil. Mas isso leva a minha tese favorita: o que no futuro algum país agressivo pode querer tomar do Brasil nunca será o petróleo do pré-sal, mas água e terra colonizável, que o Brasil tem em abundância, e que serão escassos no mundo. Só de exemplo: o Amapá tem 150 mil km2 e meio milhão de habitantes; Bangladesh tem o mesmo território e 150 milhões de habitantes. O Brasil precisará ter meios de dissuasão para enfrentar tais ameaças: não só força militar, mas também alianças internacionais adequadas."