Folha de São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2011
TENDÊNCIAS/DEBATES
Reafirmando a admiração por Paulo Renato
CRISTOVAM BUARQUE
Poucos políticos brasileiros fizeram tanto para mudar o Brasil quanto ele no período como ministro da Educação; fica o legado de grande homem
Estava chovendo e fazendo muito frio em São Paulo quando um grupo de amigos próximos esteve ao lado do professor Paulo Renato de Souza no momento em que seu corpo era colocado sob a terra do cemitério do Morumbi.
Todos ali sabiam que poucos políticos brasileiros fizeram tanto para mudar o Brasil quanto ele como ministro da Educação.
Em 1995, quando chegou ao ministério, o Brasil tinha 91% de crianças na escola, o sistema educacional se recusava a adotar sistemas de avaliação e o financiamento da educação fundamental não tinha quase nada de recurso federal.
Ainda, o ensino superior tinha 1,7 milhão de alunos, o programa do livro didático distribuía 57 milhões de livros e a Bolsa Escola começava como um programa local no Distrito Federal, depois de ser lançada no meu livro "A Revolução nas Prioridades".
Quando ele saiu do ministério, no final de 2002, o Brasil tinha 97% das crianças na escola; o Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), que ele criou, investia R$ 22 bilhões a mais na educação; a Bolsa Escola tinha sido levada a todo o Brasil, beneficiando 8 milhões de alunos; o MEC distribuía 120 milhões de livros, e o Brasil dispunha de três elementos para a avaliação da educação: o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o "Provão".
O sistema universitário havia saltado para 3,1 milhões de alunos, por intermédio de uma enorme expansão do setor privado. Graças ao governo Lula, com o ministro Fernando Haddad, o Fundef se transformou em Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), o Bolsa Escola, em Bolsa Família, o Saeb, em Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
A ampliação no número de alunos do ensino superior ganhou o ProUni, com o que ficou possível aos jovens, mesmo sem renda familiar, dispor de faculdades.
O Brasil passou a ter piso salarial e leis de obrigatoriedade de vagas na escola aos quatro anos (lei nº 11.700/ 2008) e até o final do ensino médio (lei nº 12.061/2009). Mas Paulo Renato deu o salto
.
Além das marcas na educação brasileira, há outras, como reitor da Unicamp e como secretário de Educação do Estado de São Paulo.
No BID, em Washington, participou do esforço de investimento em educação na América Latina.
Além das marcas na educação brasileira, há outras, como reitor da Unicamp e como secretário de Educação do Estado de São Paulo.
No BID, em Washington, participou do esforço de investimento em educação na América Latina.
Pessoalmente, tive o privilégio de conviver com ele, na condição de reitores contemporâneos, militantes da mesma causa, embora às vezes com propostas diferentes.
Tenho por ele a gratidão por ter acatado a sugestão que fiz, desde a transição de governos, em 1994, de levar a Bolsa Escola para o Brasil.
Sobretudo, tenho reconhecimento por manter o mesmo nome que adotei no Distrito Federal para esse programa.
No final do último sábado, dia 25, Paulo Renato nos deixou, de repente, no meio de uma confraternização, parou de existir, mas ficou seu legado de um grande homem público e de um grande ser humano.
E a certeza de que há muito ainda por fazer, como os desafios de erradicar o analfabetismo e de transformar a universalização da matrícula em universalização da conclusão do ensino médio com qualidade.
É preciso fazer a revolução da qualidade de todas as escolas e da igualdade no acesso pela federalização da educação de base, única forma de quebrar a vergonha e a ineficiência nacional da desigualdade no acesso à educação, e promover uma verdadeira reforma, que adapte nosso ensino superior às exigências dos tempos atuais.
Essa revolução ainda não feita deve ser a bandeira dos que conheceram suas ideias, seu papel e que reafirmam a admiração por ele.
CRISTOVAM BUARQUE doutor em economia, é professor da UnB (Universidade de Brasília) e senador pelo PDT-DF. Foi reitor da UnB (1985-1989), governador do Distrito Federal pelo PT (1995-98) e ministro da Educação (2003-04). É autor, entre outras obras, de "A Segunda Abolição".