sexta-feira, 8 de abril de 2011

Durma com um barulho desses


Barulho deve ter alguma coisa a ver com poder. “Falar mais alto”, afinal, não significa prevalecer, levar a melhor, exercer influência? Será por isso que a nossa sociedade mergulha cada vez mais num frenesi de ruídos, que já nem somos mais capazes de ouvir?

Esta semana fui acordada, às 4h da madrugada, por um grupo que estacionou entre o meu bloco e o de trás (espaço que forma uma terrível caixa de ressonância, onde até as conversas dos porteiros se amplificam de forma assustadora). O carro não era grande, mas estava equipado com um sistema de som de fazer inveja ao trio elétrico do Armandinho. As três pessoas do carro desceram conversando, ou discutindo, aos berros. Abri a janela e “agradeci”: Obrigada, a música de vocês está mesmo muito melhor do que o meu sono!

Não ouviram, é claro. Depois de mais alguns gritos no estacionamento, entraram em casa: para meu azar, um apartamento cujas janelas davam exatamente para as do meu quarto. E lá fiquei eu, até as cinco ou seis da manhã, a ouvir os impropérios e os gritos daquele grupo, audivelmente embriagado ou drogado.

Essa noite estragada é apenas um exemplo de fatos que ocorrem com assustadora naturalidade e frequência nas nossas quadras. O ruído dos carros e motos parece regulado para emular o rugido das poderosas feras das selvas primitivas. Quermesses de igreja, blocos de Carnaval, comemorações nos salões de festa se revezam o ano todo para infernizar as noites, e não respeitam horários nem nível de decibéis.

Se não dá para dormir à noite, que tal tentar esticar um pouco o soninho da manhã? Doce ilusão. Bem cedinho, chegam as motos dos entregadores de jornal. Em seguida, as vans e ônibus que buscam as crianças para as escolas. Em breve, os caminhões de lixo, os vizinhos saindo para o trabalho, o abacaxi de montes claros.

Se você, como tantos brasilienses, trabalha na Esplanada, não pense em sossego. A democracia vive da expressão das demandas sociais, não é? E que grupo, Ong, movimento social gostaria de expressar suas reivindicações em qualquer coisa menos barulhenta do que dois ou três caminhões de som bem equipados?

Bem, pelo menos se pode ficar em casa com um pouquinho de paz? Claro que não. Algum vizinho – de cima, do lado, de baixo – está sempre reformando o apartamento, das 8h da manhã às 5h da tarde.  Pisos sendo arrancados e paredes indo abaixo não são as coisas mais silenciosas do mundo! E as pessoas que chegam não pedem ao porteiro que ligue para os apartamentos: buzinam e gritam para chamar os moradores.

Vamos então buscar refúgio num barzinho tranquilo, para conversar com os amigos no fim da tarde? Novamente, impossível. Caixas de som frenéticas, grupos cujas risadas e conversas em voz altíssima reverberam nas estruturas de metal e concreto da nossa arquitetura tornam novamente o ambiente insuportável aos ouvidos ainda não destruídos por tantas agressões.

Bom, então um cineminha? Céus, eu não entro mais em alguma dessas super-salas superequipadas sem levar meus protetores de ouvido. Até começar o filme, então, o volume é realmente insuportável. E não adianta desistir do cinema e ficar em casa, em frente à televisão. Você regula o programa para um nível confortável, mas assim que entra uma propaganda é preciso correr ao controle remoto para apertar a tecla “mudo”, sob pena de que a etiqueta “surdo” muito em breve venha colar em você!

Nos Estados Unidos, o presidente Obama precisou assinar, em 15 de dezembro do ano passado, o Commercial Advertisement Loudness Mitigation (CALM) Act – Lei de diminuição do volume dos anúncios comerciais! A lei exige das emissoras de TV que as propagandas não sejam transmitidas num volume mais alto do que os programas em que aparecem. A lei tem o prazo de um ano para começar a valer. Lá.

Não há como fugir. O negócio é se proteger. Da próxima vez que você for a um concerto – mesmo de música clássica, mesmo no Teatro Nacional, não estou falando de rock – leve seu protetor de ouvido. Ande com ele na bolsa, durma com ele, leve-o à igreja, ao andar no trânsito, aos restaurantes, ao cinema.
E veja o quanto você está exposto ao stress e às agressões do barulho, nas mais comuns circunstâncias da vida:
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E agora, durma com um barulho desses!

 Publicado no blog Mulheres no Poder
 por Rejane Xavier

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