Como resolver, ou pelo menos entender, essa contradição? As pessoas querem democracia, querem votar, mas não confiam nas instituições e nas pessoas que as representam. Embora as notas atribuídas ao poder executivo (“governo”), sobretudo local, e ao “seu” representante (o parlamentar em quem cada um votou) sejam mais altas, tampouco a esse nível se pode identificar uma grande satisfação da sociedade.
Está na hora, parece, de parar um pouco de buscar remendos superficiais ou profundos nas regras eleitorais, para pensar com fôlego mais amplo no fenômeno da crise da representação. Por que acreditar que mudanças nas regras eleitorais fariam grande diferença, se o desapreço pelo parlamento atinge praticamente todos os países (os escandinavos são uma honrosa exceção), cujos sistemas eleitorais são os mais diversos?
Voltamos, então, ao cerne da questão. O que significa “representar”? Que sentido faz acreditar que um pequeno grupo de pessoas nos “representa” no parlamento? E quem é esse “nós”, pretensamente lá representado?
O “meu” deputado me representa, representa o meu estado, representa o programa do seu partido com o qual eu concordo, representa um grupo de interesses com o qual eu me identifico? O que eu espero dele? O que ele deveria estar fazendo e não faz, para que eu não me sinta satisfeito com ele?
Quando os parlamentos começaram a existir, na Europa do início da Idade Moderna, eles eram sobretudo um contrapeso ao poder dos reis. A sociedade procurava se proteger do arbítrio real, que decidia, sem maiores consultas, aumentar os impostos, mandar as pessoas para a guerra, fazê-las mudar de religião. “A sociedade”, no caso, era a burguesia, em processo de afirmação e ascenção como poder econômico mercantil e financeiro, contrapondo-se à aristocracia detentora das terras e ainda poderosa. O parlamento representava principalmente os interesses dessas classes, mas já começava a se dar conta de que precisava se preocupar com o conjunto da sociedade.
A história da luta pela democracia tem se confundido, desde então, com a luta pela ampliação do direito de se fazer representar. A ampliação do direito ao voto só chegou perto do sufrágio universal (incluindo os pobres, as mulheres, os analfabetos, os mais jovens) perto do fim do século passado.
Mas já não se trata mais de buscar proteção em relação a um poder central todo poderoso. Trata-se cada vez mais de buscar proteção contra mecanismos impessoais e globalizados de concentração econômica, esperando do estado que transforme a igualdade formal (uma pessoa, um voto) em igualdade social e econômica (“inclusão”).
É razoável esperar dos governos nacionais, e especialmente dos parlamentos, que atendam a essa aspiração? Os mecanismos de um processo cada vez mais concentrador deixam pouca margem de manobra para que governos e parlamentos nacionais implantem leis e políticas que contrariem a lógica da acumulação capitalista global. Isto não vale apenas para países de menor índice de desenvolvimento. Os movimentos cíclicos do capitalismo afetam de forma visível, nos países centrais, os níveis de confiança nas instituições.
É o que mostra por exemplo um estudo de março deste ano, Trust in Public Institutions over the Business Cycle, do National Bureau of Economic Research (Cambridge, MA), disponível em http://www.nber.org/papers/w16891.
Betsey Stevenson e Justin Wolfers mostram, com análises de regressão estatística, que “Cross-country comparisons reveal a clear legacy of the Great Recession, and those countries whose unemployment grew the most suffered the biggest loss in confidence in institutions, particularly in trust in government and the financial sector.”
A “Grande Recessão” a que os autores se referem é a crise financeira global iniciada em 2008, mas a relação entre a insegurança econômica e a insatisfação com as instituições é uma hipótese que merece ser testada num contexto mais amplo. A perda de benefícios sociais do welfare state do pós guerra, por parte de grande parte da população dos países ocidentais, pode estar na raiz da “crise de representação” cujas causas e natureza nos desafiam. A persistência de altos índices de confiança, nos países nórdicos, parece ser uma contraprova dessa hipótese. Lá, o estado de bem-estar social foi menos afetado pelos movimentos liberalizantes do que no resto da Europa e do mundo.
O que fazer diante disso não é fácil de imaginar, e menos ainda de fazer.
Rejane Xavier - abril 2011
Veja também : http://rexpublica2010.blogspot.com/2011/04/crise-da-representacao-i.html
E sobre a economia mundial: The Brandt Equation - 21st Century Blueprint for the New Global Economy, em http://www.brandt21forum.info/BrandtEquation-19Sept04.pdf, especialmente Part III - The Dawn of Global Sovereignty
Quando os parlamentos começaram a existir, na Europa do início da Idade Moderna, eles eram sobretudo um contrapeso ao poder dos reis. A sociedade procurava se proteger do arbítrio real, que decidia, sem maiores consultas, aumentar os impostos, mandar as pessoas para a guerra, fazê-las mudar de religião. “A sociedade”, no caso, era a burguesia, em processo de afirmação e ascenção como poder econômico mercantil e financeiro, contrapondo-se à aristocracia detentora das terras e ainda poderosa. O parlamento representava principalmente os interesses dessas classes, mas já começava a se dar conta de que precisava se preocupar com o conjunto da sociedade.
A história da luta pela democracia tem se confundido, desde então, com a luta pela ampliação do direito de se fazer representar. A ampliação do direito ao voto só chegou perto do sufrágio universal (incluindo os pobres, as mulheres, os analfabetos, os mais jovens) perto do fim do século passado.
Mas já não se trata mais de buscar proteção em relação a um poder central todo poderoso. Trata-se cada vez mais de buscar proteção contra mecanismos impessoais e globalizados de concentração econômica, esperando do estado que transforme a igualdade formal (uma pessoa, um voto) em igualdade social e econômica (“inclusão”).
É razoável esperar dos governos nacionais, e especialmente dos parlamentos, que atendam a essa aspiração? Os mecanismos de um processo cada vez mais concentrador deixam pouca margem de manobra para que governos e parlamentos nacionais implantem leis e políticas que contrariem a lógica da acumulação capitalista global. Isto não vale apenas para países de menor índice de desenvolvimento. Os movimentos cíclicos do capitalismo afetam de forma visível, nos países centrais, os níveis de confiança nas instituições.
É o que mostra por exemplo um estudo de março deste ano, Trust in Public Institutions over the Business Cycle, do National Bureau of Economic Research (Cambridge, MA), disponível em http://www.nber.org/papers/w16891.
Betsey Stevenson e Justin Wolfers mostram, com análises de regressão estatística, que “Cross-country comparisons reveal a clear legacy of the Great Recession, and those countries whose unemployment grew the most suffered the biggest loss in confidence in institutions, particularly in trust in government and the financial sector.”
A “Grande Recessão” a que os autores se referem é a crise financeira global iniciada em 2008, mas a relação entre a insegurança econômica e a insatisfação com as instituições é uma hipótese que merece ser testada num contexto mais amplo. A perda de benefícios sociais do welfare state do pós guerra, por parte de grande parte da população dos países ocidentais, pode estar na raiz da “crise de representação” cujas causas e natureza nos desafiam. A persistência de altos índices de confiança, nos países nórdicos, parece ser uma contraprova dessa hipótese. Lá, o estado de bem-estar social foi menos afetado pelos movimentos liberalizantes do que no resto da Europa e do mundo.
O que fazer diante disso não é fácil de imaginar, e menos ainda de fazer.
Rejane Xavier - abril 2011
Veja também : http://rexpublica2010.blogspot.com/2011/04/crise-da-representacao-i.html
E sobre a economia mundial: The Brandt Equation - 21st Century Blueprint for the New Global Economy, em http://www.brandt21forum.info/BrandtEquation-19Sept04.pdf, especialmente Part III - The Dawn of Global Sovereignty
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