quinta-feira, 27 de junho de 2013

Obstáculos à representação no Brasil: a Câmara dos Deputados:

Duas ordens de dificuldade afetam particularmente a representação do cidadão individual pelos deputados eleitos para o legislativo federal, especialmente no caso da Câmara dos Deputados. 
A primeira, de ordem territorial, demo-geográfica: as imensas distâncias e a grande população de um país continente afetam diretamente a proximidade entre os 513 deputados federais brasileiros
 e seus eleitores nos estados de origem. 
A segunda grande dificuldade é de ordem institucional: o próprio sistema eleitoral dificulta ao eleitor o acesso e até mesmo a identificação de seu representante na Câmara federal.


A distância geo-demográfica

Para um país do tamanho do Brasil,
513 deputados não é demais
Para que se tenha uma noção concreta da relevância deste fator para o tema da representação, uma comparação com a situação portuguesa pode ser esclarecedora. Portugal, com uma população de algo mais de 10 milhões de habitantes e um território de cerca de 92 mil km², conta com 230 deputados na Assembléia da República. 

Por sua população, Portugal é comparável ao estado brasileiro do Rio Grande do Sul, com seus 10 milhões e 200 mil habitantes. As diferenças, no entanto rapidamente se fazem sentir: o território do estado é significativamente maior que o de Portugal, mas a sua cota de deputados federais é de apenas 31 (trinta e um)! 

Se em Portugal cada deputado representa em média 47 mil eleitores, um deputado gaúcho deve representar 330 mil, espalhados por um território mais de duas vezes maior. 

Das grandes cidades continentais portuguesas, a que está mais longe da capital é o Porto:320 km. A cidade mais afastada da capital do estado do RGS, Barra do Quaraí, fica a 717 km de Porto Alegre. E Porto Alegre, por sua vez, está a 2119 km de Brasília, capital federal e sede da Câmara dos Deputados. 

O sistema eleitoral como obstáculo institucional

O sistema eleitoral brasileiro torna difícil, ou praticamente impossível, ao eleitor “ter um representante para chamar de seu” – isto é, o sistema eleitoral impede uma identificação direta eleitor/representante.

Deputados federais são eleitos, no Brasil, pelo voto proporcional. A circunscrição eleitoral é o estado inteiro. Não há listas partidárias ordenadas: o partido inscreve seus candidatos, e o eleitor pode escolher um candidato de qualquer partido, votar na legenda partidária sem escolher um nome, votar em branco ou anular seu voto. 


Embora obrigatório o comparecimento eleitoral, o índice de abstenção costuma ser expressivo, entre 18 e 20%. Dividindo-se os votos válidos (não brancos ou nulos) pelo número de cadeiras atribuído ao estado, obtém-se o quociente eleitoral, que é o número de votos necessário para eleger um deputado naquele estado.

Dados das últimas eleições para deputado federal (2010) mostram que:


  • O índice nacional médio de abstenção foi de 18,1%;
  • Para a Câmara, 6,8% dos votos foram brancos e 6,4% nulos;
  • Somente 35 candidatos (6,8% do total) conseguiram atingir o Quociente Eleitoral, ou seja foram eleitos apenas com votos recebidos por eles mesmos;
Do total de votos computados, apenas 19,9% (aprox. 20%) foram nominais e destinados a candidatos eleitos. Os 80,1% restantes foram votos de legenda, diluindo-se para conformar os coeficientes, ou foram dados nominalmente a candidatos que não conseguiram se eleger. Isto é, a cada cinco votos válidos, quatro não foram para candidatos eleitos. 

Alguns exemplos evidenciam certas distorções típicas desse sistema eleitoral. No Rio Grande do Sul a candidata Luciana Genro, do PSOL (partido novo, de esquerda, oriundo do PT), teve praticamente 130 mil votos e não se elegeu. Já o PDT (Partido Democrático Trabalhista), no mesmo pleito, elegeu no estado um deputado com menos de 30 mil votos.

Nacionalmente, as coligações continuam a produzir resultados estranhos. Em São Paulo: na coligação que reuniu PT, PR, PCdoB, PTdoB e PRB, o palhaço Tiririca (com o lema “Vote em Tiririca, pior do que tá não fica”) elegeu mais três deputados e meio com sua votação de 1,3 milhão de votos. Tiririca ajudou a eleger candidatos de três partidos diferentes: Otoniel Lima (PRB), Vanderlei Siraque (PT) e Protógenes Queiroz (PCdoB). Lima teve 95,9 mil votos , Queiroz 94,9 mil e Siraque 93,3 mil - número menor do que o de outros 10 candidatos, todos eles do PSDB ou DEM.

Critica-se frequentementte, na imprensa, o eleitor brasileiro por sua “falta de memória”, pois ao ser inquirido, algum tempo depois das eleições sobre o deputado em quem votou, a maioria declara que não se lembra. Na verdade, essa suposta falta de memória .é uma falta de representação. A grande maioria dos eleitores ou não votou para deputado federal (abstenções + votos em branco + votos nulos = 31,3 %), ou não escolheu um candidato (votou na legenda partidária) ou votou em algum candidato que não se elegeu, como vimos acima, em (d).

O fato não é, portanto, que o eleitor não lembra quem é o seu deputado, mas sim que ele não sabe quem é esse seu representante, ou simplesmente não tem um representante que possa chamar de seu.

Desafios

Há, já no ponto de partida da democracia brasileira, uma clara opção pela democracia participativa e pela cidadania ativa. Tais conceitos estão inscritos como valores no discurso de todos os partidos e na própria Constituição Brasileira, embora seu exercício deixe muito a desejar na prática. Seja como for, colocam-se para a sociedade brasileira e para a sua elite política os desafios correlatos do exercício da representação dos interesses múltiplos e complexos de uma sociedade que tem a participação como valor mas ainda engatinha na sua efetiva concretização. E isso passa tanto pela reformulação do sistema político e das regras eleitorais quanto por profundas transformações na educação, na cultura e na ética políticas de todos os atores do processo democrático. 

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