A análise de Janine sobre as teorias planetárias, no contexto do artigo "Será que desejamos o impossível" (http://www.valor.com.br/politica/3955256/sera-que-desejamos-o-impossivel ), parece querer conferir a este o aval de uma abordagem "científica". Mas ela é primária e está incorreta.
Do ponto de vista da observação, feita a partir da Terra, o comportamento dos planetas sempre aparecerá como errático, irregular, com "paradas" e retrogradações, seja qual for a teoria usada para explicá-lo. Do ponto de vista teórico, todas as explicações procuram traduzir essas irregularidades mediante uma composição de movimentos regulares.
No caso do geocentrismo, esses esforços tiveram o seu auge com Ptolomeu, onde as órbitas planetárias aparentes resultavam de uma combinação de movimentos circulares uniformes, levemente excêntricos (a Terra não ficava bem no centro dos círculos) e complementados por epiciclos que explicariam as variações de proximidade dos planetas em relação à Terra.
Em termos de previsões e precisão matemática este modelo ptolomaico era até mais acurado do que o heliocentrismo nascente. Ele foi abandonado por considerações de simplicidade (seus cálculos se tornaram progressivamente muito complicados), não porque não conseguisse dar conta dos fenômenos ou porque produzisse "resultados absurdos".
"Com seu modelo Ptolomeu conseguia explicar:
- Variação de velocidade angular dos planetas.
- Movimento retrógrado e direto.
- Variação do tamanho das laçadas.
- Variação da intensidade do brilho dos astros.
Os modelos astronômicos vão se tornando cada vez mais exatos, mas ao mesmo tempo menos compreensíveis: não existe nada no centro do deferente, e o centro de rotação é um ponto vazio (equante), que não é o centro geométrico do círculo." http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Geraldo/ptolemaico.htm
"Não se deve julgar que a teoria de Ptolomeu (séc. II d.C) deve ser vista como uma "velharia", resultado exemplar de um bloqueio epistemológico, uma incapacidade de ver as coisas como são, por carência de espírito objetivo-experimental (...). O sistema ptolomaico permite prever fatos astronômicos com suficiente precisão, comparar distâncias, elaborar cálculos com eficácia prática e os seus modelos e abordagem geométrica, apesar de ultrapassados se olharmos segundo Kepler ou Newton, estão ainda bem presentes nas considerações de Copérnico, cujo sistema é bem menos simples do que as imagens redutoras que, por vezes, dele nos são dadas."(http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Geraldo/conclusao.htm)
O nascimento da nova ciência da natureza, de Copérnico a Descartes e a Newton, passando por Tycho Brahe, Kepler e Galileu foi um empreendimento intelectual complexo, que envolveu a substituição de ideias metafísicas arraigadas desde Aristóteles (o centro do universo como "lugar natural" dos graves, o movimento circular uniforme dos astros), de ideias religiosas tradicionais (a Terra como centro do universo, palco da Encarnação e da Salvação, a natureza como exemplo da ordem hierárquica a ser espelhada na Igreja e na sociedade) e a criação de conceitos novos de gravidade e inércia, sem falar da constituição de um novo aparato matemático. Não se trata, portanto, apenas de "órbitas mais regulares" no heliocentrismo, até porque, ao contrário, as órbitas se tornaram menos regulares no mesmo, com trajetórias elipticas e não mais circulares e velocidades diferentes dos planetas em partes diferentes das órbitas.
Kepler teve de fazer um esforço abdutivo enorme para chegar às suas leis matemáticas a partir das observações de Tycho Brahe. A regularidade que encontrou no movimento planetário, expressa na sua segunda lei, remete a áreas virtuais (e não distâncias reais) descritas no tempo: "o raio vetor que une o planeta ao sol descreve áreas iguais em tempos iguais".
Para que isso seja possível, o planeta deve se movimentar mais rapidamente (percorrer uma distância maior no mesmo intervalo de tempo) quando se encontra mais perto do sol. Ou seja: algo muito mais complexo que o movimento circular uniforme de Ptolomeu.
Se a comparação entre geo e heliocentrismo, invocada por Janine, pretende portanto ter algum sentido, ficamos diante da gigantesca tarefa de procurar encontrar, descrever e explicar a pretendida racionalidade do modelo dilmiano de política!
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