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Campanha sem atrativos (Editorial)
Não há registro, neste quarto de século de vigência da democracia, sem interrupções, de uma eleição presidencial com tantas frustrações. Ela não foi o que poderia ter sido em termos de espaço aberto ao debate, com alguma profundidade, de problemas reais e respectivas propostas de solução. Foi perdida a chance concedida pelo segundo turno a que Dilma Rousseff e José Serra desarmassem espíritos, colocassem a marquetagem a distância segura, e de fato expusessem o que pensam para um país e uma sociedade que saem de um ciclo de oito anos de continuidade administrativa, com avanços, mas também mazelas e graves opções a tomar diante do futuro.
Há explicações para esta sensação de tempo perdido e de saturação com o tiroteio entre os candidatos. É provável que os termos escolhidos pelo principal cabo eleitoral de Dilma, o presidente Lula, para a campanha — um plebiscito entre ele e o governo de FH — tenham estreitado o campo de discussões.
Do ponto de vista de Lula, a estratégia funcionou, pois conseguiu tornar competitiva a candidata, neófita em palanques e eleições, enquanto Serra perdeu parte do primeiro tempo da disputa na tentativa de manter distância da Era FH, erro semelhante ao cometido por Geraldo Alckmin, quando foi derrotado por Lula em 2006.
O candidato tucano, durante algum tempo, padeceu da ilusão de ser convincente ao se apresentar não como alguém de oposição a Lula, mas um gerente mais competente para administrar a herança lulista. Um erro, mesmo que vença nas urnas de hoje.
Tanto foi um erro que o segundo turno se deveu mais ao avanço de Marina Silva nos últimos dias de campanha do que dele. O símbolo do equívoco foi a ingênua inclusão da imagem de Lula no programa eleitoral tucano.
Não pode ser desprezada, também, a contribuição à mediocrização da campanha dada pelos bolsões radicais do PT que atuam nos desvãos da máquina burocrática, em busca de informações confidenciais para alimentar dossiês contra adversários.
A informação de que dados do imposto de renda do vice-presidente tucano, Eduardo Jorge, eram manipulados num bunker eleitoral de Dilma abriu acirrada frente de acusações.As denúncias contra Erenice Guerra e família levaram à queda da sucessora de Dilma na Casa Civil e amplificaram os choques.
Agressões a Serra no Rio e a Dilma em Curitiba, ironias descabidas de Lula, a interferência na campanha de grupos religiosos, devido à questão do aborto, tudo somado, incluindo Paulo “Preto” e as evidências de cartas marcadas em concorrência para o metrô de São Paulo, levou a campanha à ebulição, fechando ainda mais os espaços ao confronto de programas. Que não foram mesmo o forte dos candidatos: Serra encaminhou à Justiça Eleitoral, burocraticamente, um conjunto de discursos; Dilma, depois de idas e vindas, divulgou 13 pontos recheados de platitudes.
A própria forma como a campanha é realizada precisa ser repensada. A começar pelo horário eleitoral, explorado hoje em dia como espaço livre para a ficção, meias-verdades ou meias-mentiras.
As informações divulgadas nos programas teriam de ter provas e fontes correspondentes registradas na Justiça Eleitoral, à disposição de adversários e imprensa: obras, estatísticas, o que seja.
Atores deveriam ser apresentados como tais, com os devidos créditos na tela. Além disso, todos os personagens mostrados como reais — pedreiro desempregado que, graças ao Bolsa Família, viaja, compra carro etc. — precisariam também ser registrados na Justiça, com nome e endereço, para que se pudesse checar a veracidade dos relatos.
As mesmas exigências feitas às pesquisas teriam de ser estendidas ao conteúdo dos horários eleitorais. O dolo seria punido com multas pesadas e desmentidos públicos, no ar. Este é um caminho para se evitarem as frustrações de 2010.
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