sábado, 14 de setembro de 2013

Mapas, geografia e política

Uma revisão, geograficamente embasada, dos mapas que usamos no Brasil teria duas consequências geopolíticas importantes: mostraria que não estamos "de cabeça para baixo" e que somos bem maiores do que imaginamos.
A apresentação que preparei para a ESG tratou da primeira dessas consequências, relativa à nossa posição. Mais tarde montarei outra, sobre o tamanho do nosso país.

Este blog não permite a inclusão de arquivos ppt, então coloco apenas as fotos, resumindo os textos intermediários e os comentários. Em resumo, defendi que embora o reposicionamento cartográfico proposto (em que o Brasil apareceria no centro do mapa, e o Polo Sul estaria na parte de cima do mesmo) tenha evidente impacto geopolítico, ele pode ser defendido por razões puramente geográficas ou espaciais.
O universo de Aristóteles (século IV aC)
Superada a visão aristotélica do universo, em que as cada coisa tinha o seu "lugar natural", tanto mais nobre quanto mais elevado, o espaço passou a ser visto como infinito e isotrópico: infinitos pontos de vista são possíveis, nenhum ponto pode ser considerado "o centro", nenhuma perspectiva é privilegiada sobre as demais. Desde a época de Giordano Bruno (falecido em 1600, na fogueira da Inquisição) essas ideias deixaram de ser chocantes.
Portanto, nosso planeta, girando no espaço infinito, pode ser visto e fotografado do Norte para o Sul, do Sul para o Norte, do Leste para o Oeste, e assim por diante.

Mapa romano

Orbis Terrarum (Orientação Leste-Oeste)

Século I a.C.   
AUTOR: Marcus Vipsanius Agrippa
(Aqui, a importância da Itália se traduz na posição central que ocupa no mapa)    Leer más: http://www.celtiberia.net/verimg.asp?id=1713#ixzz2euc7yYMk  

O globo com o Brasil no centro, voltado para o Sul. 


 Para quem está na superfície do globo, há um abaixo (o chão) e um acima (o céu), e isto varia conforme o lugar da Terra em que estivermos. O curioso é que todos nós, brasileiros por exemplo, e nossos antípodas (chineses ou japoneses, não sei bem) estamos de pé: não há ninguém de cabeça para baixo no globo.

Porém há uma notável diferença: o céu sobre nossas cabeças será diferente se estivermos no hemisfério Norte ou no hemisfério Sul. As estrelas e constelações que vemos em cada um deles são diferentes. Aqui do Sul, nunca veremos a estrela polar; lá do Norte, eles nunca verão o Cruzeiro do Sul.


Vejamos então o que fazer quando queremos representar o globo terrestre num superfície plana - uma folha de papel. Se tivermos coragem de recortar com uma tesoura o nosso globo, vamos obter alguma coisa assim:














Mas normalmente não precisamos destruir um globo para fazer um mapa: fazemos uma projeção do globo no papel. Conforme o ângulo do qual é feita essa projeção, algumas partes ficarão maiores, outras menores (como numa foto: um lápis no primeiro plano pode ficar mais alto do que um edifício no horizonte). Se projetarmos do Norte para o Sul, o Norte ficará maior e estará situado acima. Se fizermos o contrário, o Sul ficará maior e estará acima.
Aqui a posição está alinhada com o Sul, mas o ângulo ainda favorece o Norte em termos de tamanho. A Groelândia aparece do tamanho do Brasil, quando de fato é 4 vezes menor.

Qual é a forma certa?
Nenhuma, ou as duas. Nenhuma é "A" certa; as duas são certas. Cada uma destaca (deixando-a maior) uma parte do planeta, e cada uma reflete a orientação de um dos hemisférios em relação ao céu. Se o Norte está em cima, é porque o globo foi fotografado numa posição tal que o céu do hemisfério Norte estava acima, com sua estrela polar e suas constelações boreais. Se o Sul está em cima, é porque a Terra foi visualizada de um ângulo em que o céu austral estava sobre as cabeças das pessoas, ou seja o mapa é uma projeção a partir do hemisfério Sul.

Colocar o Sul na parte superior dos mapas tem constituído, além de uma opção geográfica mais adequada para a representação do nosso hemisfério, também uma afirmação política. 

Mapa de Al-Idrisi, 1154
Mas não devemos achar que os cartógrafos árabes ou dos séculos XVI e XVII estavam combatendo a hegemonia capitalista ou européia (muitos eram europeus) quando representavam os mapas orientados para o Sul. Entre inúmeros exemplos temos:







No mapa invertido de Al-Idrisi reconhecemos mais facilmente os lugares

Mapa do veneziano Marini, 1512. O nome 'Brasil" aparece pela primeira vez num mapa.

Nicolas Desliens, 1567

O importante é percebermos que "projeções cartográficas são técnicas destinadas a representar um objeto esférico e com três dimensões – o globo terrestre – numa folha de papel plana e com duas dimensões. Entretanto mais do que representar o planeta Terra, projeções cartográficas representam determinadas visões de mundo."  Aqui, estive tratando "visão de mundo" de forma literal, isto é, me referindo apenas aos diferentes ângulos de onde se pode representar a Terra. Mas a Geografia não é inocente, e esses ângulos representam interesses e são também projeções de poder. 


Mapa do artista uruguaio Torres-García, 1943.

“Geography, sir, is ruinous in its effects on the lower classes. Reading, writing, and arithmetic are comparatively safe, but geography invariably leads to revolution.”

 (1879 testimony before a Select Committee of the House of Commons, London, England, regarding expenditures of the London School Board)

Um comentário:

Marcio D'Olne Campos disse...

Orientação entre o local e o global:
Para a navegação aérea, o jeito e adotar somente a convenção mundial das bússolas com a direção Norte correspondente ao angulo de zero grau (ou 360 graus) que se faz coincidir com a indicação marcada na agulha para que a seta aponte no sentido Sul-Norte. Isso tem que valer para os dois Hemisférios.
Para a ORIENTação local, com o apoio do nosso copo e observando-se o céu no Hemisfério Sul, é que não dá certo apontar o braço direito para o nascente do Sol, como é ensinado em geral nas escolas. A alternativa que interessa - por ser prática - é a de apontarmos o braço esquerdo para o nascente. Isso nos deixa na posição conveniente para olharmos o Cruzeiro do Sul à noite e, nesse caso, poder se SULear. Por outro lado, no Norte, já convém apontar o braço direito para o nascente de modo que à noite, se olhe na direção da estrela Polar para se NORTEar. (Ver www.SULear.com.br)
Marcio D'Olne Campos